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Fake ou arte?

Atualizado: 27 de mai.

A arte engana as pessoas muito mais do que se imagina. O diretor do Metropolitan Museum foi perguntado uma vez: Quantas falsificações você acha que podem estar nas paredes?. E ele respondeu: Eu não faço ideia. (...) Acho que eles não querem admitir que foram enganados”.

Ann Freedman


Na década de 1990, uma conceituada galeria de Nova Iorque vendeu cerca de 80 milhões de dólares em obras falsas de pintores renomados do expressionismo abstrato, como Mark Rohtko e Jackson Pollock. Os acontecimentos que envolvem a fraude, considerada a maior da história da arte, são relatados no documentário “Fake Art: Uma história real” (2020) através das versões de especialistas envolvidos, colecionadores, advogados e jornalistas. O filme traz ainda o depoimento da então responsável pela Galeria Knoeder, Ann Freedman, e mantém a dúvida sobre sua participação no esquema de falsificação das obras. A diretora da galeria à época foi quem adquiriu as pinturas e, conforme relatos, ignorou uma série de alertas sobre a autenticidade questionável dos quadros.


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Dirigido por Barry Avrich, “Fake Art” apresenta, ainda que com pouca profundidade, uma série de informações interessantes além da fraude ao abordar particularidades sobre o mercado da arte. Um exemplo são os critérios e métodos utilizados nas avaliações de autenticidade das pinturas, explicitados por Sharon Flescher, diretora executiva da Fundação Internacional de Pesquisa de Arte (IFAR). Mais que isso, assistir ao documentário com um olhar abrangente coloca o espectador diante de diversas interrogações sobre a relação entre arte, entusiastas e colecionadores e suscita uma reflexão acerca da controversa pergunta: o que define uma obra como valiosa ou ordinária?


  • Arte, emoção, ego


Definir "o que é arte" de forma objetiva é possível? Acredito que não. Mas, em uma percepção pessoal sobre o conceito, entendo que, se existem critérios para classificar uma produção visual como arte, um deles é a capacidade que a obra tem de gerar conexão emocional com o público. Esse critério, porém, além de subjetivo precisa (!?) estar acompanhado de aspectos conceituais e técnicos importantes que não incluem a assinatura – o que não significa dizer que a história, o estilo e a identidade visual do artista não sejam componentes importantes para o reconhecimento do seu trabalho como arte. Quando uma representação visual não gera conexão com o público, conexão essa que é construída também pela história, estilo e identidade do artista, dificilmente despertará emoções.


Seguindo essa linha para tentar definir o que é arte associando-a às sensações, o documentário “Fake Art” nos coloca diante de (pelo menos) dois dilemas. Ao trazer relatos sobre o vínculo emocional despertado pelas falsas obras em Ann Freedman e nos colecionadores que as adquiriram, e supondo que essas emoções sejam genuínas, é preciso admitir que o despertar de sentimentos não é suscitado por uma inexplicável conexão emocional entre as mãos do artista e público, mas por uma primorosa execução técnica, que pode ser aprendida por “qualquer” pintor, vinculada ao contexto, verídico ou não, que envolve aquele quadro. As pinturas adquiridas pela Galeria Knoeder, por exemplo, foram pintadas por um exímio estudante de arte, conhecedor da técnica e do estilo dos supostos autores.


O segundo dilema surge com as falas de M. H. Miller, do The New York Times, e do advogado Jason Hernandez sobre as emoções relacionadas ao ego e ao status despertadas pela possibilidade de descobrir ou possuir obras que se supõem originais de Rothko, Pollock e outros nomes importantes. Inicialmente, é possível avaliar essas sensações como fúteis, diferentes das palpitações provocadas quando nos percebemos frente a frente com um autor cuja obra admiramos. Mas, esses sentimentos podem ser colocados como menos valorosos que o amor, a alegria ou a angústia que nos fazem chorar diante de uma obra de arte? Ou a sensação de pertencimento produzida pela inclusão em determinado ambiente cultural e social é uma emoção igualmente genuína, e que valida o conceito de arte de determinada pintura? Obras que alcançaram seu “lugar ao sol” são, por produzir tais sentimentos, indiscutivelmente arte?


  • Arte e valor


É uma história sobre a história da arte. É uma história sobre como devemos pensar sobre a arte. Dez anos atrás, esse quaro atrás de mim valeria cinco milhões de dólares, foi cobiçado por alguns dos colecionadores mais importantes do mundo e agora está no meu escritório. Posso tocá-lo, não vale nada. E você pensa na experiência da arte... Se algo muda com base no conhecimento de que aquilo não é o que pretende ser”.

Luke Nikas, advogado de Ann Freedman


No mercado da arte, o autor é um critério objetivo para classificar uma obra como valiosa ou não. No entanto, amantes da arte não se reduzem aos colecionadores de pintores consagrados. O controverso conceito de arte, as diferentes nuances que cabem nessa palavra e as mudanças históricas que impactaram o fazer artístico, além da perspectiva pessoal dos entusiastas e criadores, tornam praticamente impossível determinar categoricamente “o que é arte”. Mais difícil ainda é determinar o valor de uma representação visual. Quem e como define?


Particularmente atribuo um valor imenso à falsa obra de Rothko, exposta e aclamada entre as originais, apresentada como autêntica por seis vezes em publicações da Editora Taschen, sem despertar a desconfiança de conhecedores de arte, pelo simples fato de colocar em foco todas as questões a respeito do universo artístico que dividi superficialmente nesta publicação (o que não significa ser favorável à falsificação e/ou à fraude).  Afinal, ainda buscando critérios para tentar estabelecer “o que é arte”, há quem diga que arte são aquelas manifestações visuais que suscitam questionamentos ou servem às causas coletivas. Apesar de não concordar integralmente com essa afirmação, avalio que pela execução técnica, impacto histórico e contribuição inegável para conversas polêmicas e necessárias sobre criação e cópia, o falso Rothko é arte.


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