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Arte, significado e subjetividade


Ao pesquisar sobre o desenvolvimento do senso estético no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, Abigail Housen estratificou este processo em cinco etapas. Os estágios definidos pela pesquisadora são um ponto de partida interessante para falar sobre interpretação na arte por duas razões. A primeira delas é esclarecer, especialmente ao público distante de ambientes culturais, que há uma trilha de aprendizagem para compreensão estética. A segunda é demonstrar, aos artistas e estudiosos que limitam suas interpretações aos conceitos formais e dados históricos, a insuficiência da objetividade na evolução das nossas experiências artísticas.



  • A teoria do desenvolvimento estético de Abigail Housen

 

O desenvolvimento estético, segundo Housen, tem início no estágio descritivo. Nesta fase indivíduos pouco habituados à experiência com obras de arte fazem observações formais com relação às imagens e as associam a elementos do próprio cotidiano e experiências pessoais. Já no segundo estágio, denominado construtivo, critérios técnicos e observações relacionadas ao contexto da obra e do artista são associados aos conceitos próprios e preferências. O observador, na etapa construtiva, emite opiniões subjetivas apoiadas em seu repertório e na comparação da obra com a realidade.


Em um terceiro estágio, chamado de classificativo, o observador possui conhecimento sobre história da arte e faz uso deles para posicionar a imagem dentro de períodos históricos, escolas e estilos. A interpretação é desenvolvida com base em critérios subjetivos e objetivos, de forma buscar uma categorização da obra por entender que, que desta forma, uma explicação racional será atingida.


Análises formais sobre a obra deixam de ser percebidas como único pilar para a compreensão estética no quarto estágio, chamado de interpretativo. Nesta fase, o referencial pessoal, sentimentos, memórias, vivências e sua interlocução com aspectos da coletividade compõem as análises. O observador do quarto estágio entende que a experiência estética ultrapassa o certo e errado e pode, inclusive, ser alterada a cada novo encontro com a obra.


No quinto e último estágio descrito por Housen, chamado de re-criativo, o observador é capaz de fazer leituras complexas sobre uma obra aliando conhecimentos formais e críticos, percepções pessoais e universais. Nesta fase, a interação com a arte torna-se particular e profunda. O percurso traçado por Abigail Housen, e a descrição do estágio re-criativo, vai ao encontro da minha percepção sobre o tema: conhecimento acadêmico e conteúdos formais são importantes para a compreensão estética, mas, isolados, apoiam o desenvolvimento estético somente até certo ponto.


  • Volte três casas

 

A motivação deste texto são diálogos com observadores que atravessam os primeiros estágios e, embora os primeiros parágrafos abordem uma estrutura organizada sobre o desenvolvimento estético, não possui intenção acadêmica. Costumo iniciar a conversa sobre interpretação na arte com pessoas pouco habituadas à experiência artística com o uso da palavra “leitura” e a analogia simples entre texto e imagem. Assim como aprender a ler é um percurso e exige, como primeiro passo, o conhecimento dos elementos que compõem um texto - das letras para as palavras, das palavras para as frases e assim sucessivamente - a leitura de uma arte também é aprendida a partir do entendimento de conceitos e elementos básicos. Sem adentrar na discussão sobre a possibilidade ou não de classificar uma roupa como obra de arte, incluo aqui a leitura de Moda, que também requer conhecimento estético.


Como ponto de partida, gosto de propor a compreensão sobre três aspectos importantes para ler arte: a observação tanto dos elementos separadamente como do todo, a ciência sobre a intencionalidade e a importância das informações extra arte.

 

O todo e as partes: A mensagem de uma representação visual é composta por um conjunto de elementos. Compreender o todo requer um olhar atento para as partes, os elementos visuais que a compõe. É importante ainda entender que elementos visuais não são apenas as figuras e formas, mas também as cores (se quentes ou frias, se análogas ou opostas), o traço (se contínuo ou descontínuo, se sutil ou espesso), o enquadramento, a disposição dos elementos, se há espaço vazio (e onde está), se existem elementos amontoados (e onde eles estão), se as figuras são independentes ou se entrelaçam, se existem elementos repetidos, enfileirados ou sobrepostos, se os preenchimentos são totais ou parciais, opacos ou translúcidos, e outros tantos aspectos visuais sobre os quais poderia escrever por dias. Observar atentamente cada um, ou quantos forem possíveis, destes elementos é um exercício importante para aprender a ler arte.


"Querem tudo o mais detalhado possível, porque até as coisas mais ínfimas significam algo. Toda vez que vir moscas ou insetos numa natureza-morta - uma pétala murcha, um ponto preto na maçã - é uma mensagem secreta que o pintor está te passando. Ele está te dizendo que as coisas vivas não duram - tudo é temporário. A morte na vida". 

Trecho de “O Pintassilgo”, Donna Tartt



(Quase) Nada é por acaso: Capturar conscientemente os elementos e a forma como se relacionam entre eles e com o todo é essencial uma vez que na arte há intencionalidade. O trecho de “O Pintassilgo”, da Donna Tartt, ilustra o papel que cada detalhe desempenha na construção da mensagem de uma representação visual: no quadro mencionado no livro, a característica de um elemento figurativo, ou seja, um ponto preto na maçã, comunica a finitude dos seres vivos. Em obras abstratas, correlacionar elementos à mensagem é mais complexo, e interpretar essas manifestações artísticas pode exigir conhecimentos profundos sobre cores e formas, além de informações que transcendem o universo da arte.


Não ignore as informações extra arte: Há subjetividade na arte. Por isso, a interpretação de algumas obras demanda experiência e acesso a informações sobre o artista que ultrapassam questões técnicas, estilo e referências. Saber quando e onde o artista nasceu, por exemplo, o localiza no tempo, facilitando a leitura de obras que fazem menção a fases da vida, momentos históricos ou perspectivas a respeito do passado presente ou futuro.


Da mesma forma, compreender onde e como o artista nasceu, desenvolveu-se, viveu e vive também auxilia na interpretação dos elementos utilizados. Estilo de vida, escolhas e valores do autor, bem como a observação do conjunto da obra, são outros aspectos que facilitam o alcance dos significados na arte.


 

Boa parte dos artistas contemporâneos não possuem uma biografia que permita acessar todas essas informações de forma organizada. No entanto, a compreensão das obras atuais pode ser mais tangível pelo simples fato de os autores estarem sob macro influências no mínimo similares às nossas. Mais que isso, as redes sociais aproximam a pessoa do artista do público quando suas vivências, personalidade e percepções são compartilhadas.


Neste sentido, trazendo minha experiência e visão como público de arte e artista na contemporaneidade, é ilógico entender que os meios de comunicação atuais atrapalham o fazer artístico ou que a “necessidade” de exposição de aspectos pessoais é inútil ou negativa. Explico.


A percepção de valor do senso comum sobre a arte aumenta à medida que o público consegue compreender, ou seja, interpretar, arte. Assumindo que a interpretação de manifestações artísticas depende de uma trilha de aprendizagem e do entendimento de aspectos que incluem a subjetividade do artista, não há desvantagem em poder dialogar de forma quase direta com o público sobre a própria identidade, preferências estéticas e pontos de vista. Para artistas que, como eu, são inseparáveis da própria arte, ser “pessoa presente” amplifica o alcance da mensagem.


Ao público leigo e interessado em aprender a ler arte, recomendo a escolha artistas atuais para dar início à trilha de aprendizagem. Além de produzirem arte, de forma geral e considerando os pontos já levantados, com significados mais acessíveis, eles precisam de dinheiro. Os mortos não.

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